O povo contra os aumentos dos transportes públicos
As manifestações vistas
nessas últimas semanas principalmente em São Paulo e no Rio contra o aumento
das passagens de ônibus não vem de hoje. Os protestos contra reajustes do serviço
de transporte público já aconteceram em outros tempos.
Um exemplo vem do tempo do
Império. No dia 28 de dezembro de 1879, o povo foi as ruas.
O local foi o Rio de Janeiro.
O ministro da Fazenda, o
Visconde de Rio Preto pretendia diminuir o déficit do orçamento do Império,
para isso tomou uma atitude muito parecida com os governantes atuais. Aumentar
impostos. Ele instituiu então o aumento de um vintém no serviço de bondes na
cidade do Rio que ia começar a vigorar no dia primeiro de janeiro de 1880.
O vintém era uma moeda de
cobre, a de menor valor.
A principal empresa do
bondes, a Botanical Garden tentou
evitar este aumento e procurou uma solução diferente, temendo uma reação ruim
da população. O Parlamento rejeitou.
Ainda nos primeiros dias do
mês de dezembro de 1879, durante a fase de discussão sobre o novo imposto pela
coroa e no parlamento, surgiram críticas nos jornais sobre a cobrança do
vintém, alegando que se tratava de um tributo que incidiria sobre cidadãos e
súditos com rendimentos desiguais.
Os jornais governistas já
falavam sobre a convocação de mobilizações de protesto e apelava para a
manutenção da lei e da ordem. Assim como os dias atuais, lembrava que o governo
havia tolerado sempre
a manifestação de
“representações respeitosas” e, finalmente, pedia para que os descontentes, ao
invés de protestar , direcionassem sua energia para a eleição de bons políticos
que se ocupassem em defender os verdadeiros interesses da maioria da população.
Obviamente a população que
andava de bonde puxado a burro odiou a medida e esses pedidos de nada adiataram. Com os passar dos dias a revolta foi
aumentando até que cerca de cinco mil pessoas, lideradas por um militante
republicano, o médico e jornalista Lopes Trovão se dirigiu até o Campo de São
Cristovão. Eles pretendiam entregar a d. Pedro II uma petição solicitando a
revogação de uma taxa de 20 réis, um vintém, sobre o transporte urbano, ou
seja, bondes puxados a burro.
A polícia não permitiu que a
multidão se aproximasse do palácio. Enquanto os manifestantes se retiravam, o
imperador mandou dizer que receberia uma comissão para negociar.
Mas Lopes Trovão e outros militantes
republicanos, entre eles José do Patrocínio, recusaram. Divulgaram um manifesto
dirigido ao soberano, convocando-o a ir ao encontro do povo. Os jornais
oposicionistas e panfletos distribuídos pela cidade passaram a pregar o boicote
da taxa e a incitar a população a reagir com violência, arrancando os trilhos
dos bondes. Outra manifestação foi convocada para o dia 1º de janeiro, data da
entrada em vigor do reajuste, agora no centro da cidade, no Largo do Paço, hoje
Praça 15 de Novembro.
As empresas de bonde pediam que seus
condutores não insistissem na cobrança da nova passagem.
Lopes Trovão fez um novo discurso conclamando ao povo que resistisse ao
aumento, a partir daí ele perdeu o controle sobre o movimento. Ele pediu calma
a população mas nada adiantou. A massa se dirigiu ao Largo de São Francisco,
ponto final de várias linhas de bonde. Uma nova concentração aconteceu na Rua
Uruguaiana e do Largo de São Francisco. O delegado que comandava as tropas da
polícia pediu reforços ao Exército, mas, antes que a ajuda chegasse, ordenou à
polícia que dispersasse a multidão a cacetadas.
O povo gritava: “Fora o vintém!” “Fora o
vintém!” Os manifestantes começaram a espancar condutores, esfaquear mulas,
virar bondes e arrancar trilhos ao longo da rua Uruguaiana. Dois pelotões do
Exército ocuparam o Largo de S. Francisco. O povo, que já neste tempo detestava
a polícia, aplaudiu a tropa. Mas alguns mais exaltados passaram a arrancar
paralelepípedos e atirá-los contra os soldados. Um deles atingiu justo o
comandante da tropa, que era primo de Deodoro da Fonseca. O oficial
descontrolou-se e ordenou fogo contra a multidão.
Os bondes atravessados no
chão tinham praticamente a mesma largura das ruas do centro da cidade e, cheios
de paralelepípedos, formavam barricadas que fecharam, por exemplo, o quarteirão
da rua Uruguaiana, entre a do Ouvidor e a Sete de Setembro. No decorrer do dia,
os soldados da polícia entraram em conflito com vários focos de protesto, quase
sempre atirando contra a multidão. Somente depois das 21 horas é que as ruas
puderam ser percorridas sem que se assistisse a enfrentamentos.
A polícia recolheu três
cadáveres de manifestantes. Os corpos estavam na rua Uruguaiana, e os
identificou como sendo de um polaco, um francês e um pernambucano. Entre os
feridos, a maioria por arma de fogo, havia brasileiros e imigrantes, sobretudo
portugueses.
Mais tarde surgiram denúncias
de parlamentares de que políciais tentaram sepultar clandestinamente os
cadáveres recolhidos àquela noite para que povo não soubesse das mortes. Na
madrugada de dois de janeiro foram arrancados os trilhos da rua Princesa dos
Cajueiros e, mais tarde, cinco trilhos foram retirados da rua Uruguaiana.
As chaves dos bondes foram
roubadas por manifestantes em São Cristóvão. Ocorreram enfrentamentos com a
polícia na linha Sacco do Alferes, em Andaraí e na rua Mariz e Barros.
As estatísticas de mortos e
feridos não são precisas. Falou-se em 15 a 20 feridos e em três a dez mortos. Salvo
pequenos distúrbios nos três dias seguintes, estava findo o motim do vintém. A
cobrança da taxa passou a ser quase aleatória. As próprias companhias de bondes
pediam ao governo que a revogasse. Desmoralizado, o gabinete de Afonso Celso de
Assis Figueiredo caiu a 28 de março. O novo ministério revogou o desastrado
tributo. Bem no espírito carioca, o povo apelidou o antigo premier de Afonso
Vintém.
Os acontecimentos chocaram o
Imperador. Em cartas à amigos, o monarca afirmou que em 40 anos de reinado
nunca tinha sido usada a força contra o povo da capital do Império. Não lhe
escapou mesmo a conotação republicana dos incitadores do motim. Afirmou até que
seria mais feliz como presidente de uma república.
Voltando aos dias de hoje,
percebemos que há muitas semelhanças entre os manifestantes de 1879 com os de 2013. A Imprensa, os
jornais, o povo, a polícia e o governo reagiram da mesmíssima maneira... tudo
isso por conta de um aumento no transporte público. Para o governante que não precisa
utilizá-lo o reajuste é pequeno e irrisório mas para aquele que realmente
precisa, cada centavo a mais é cruel. Neste ano, particularmente no Rio de
Janeiro, os incidentes e acidentes com ônibus vitimaram muitas pessoas em todas
as regiões da cidade, dos bairros pobre aos ricos, culminando com o da Avenida
Brasil em abril e mesmo assim o governo municipal manteve o reajuste, subindo de
2,75 para 2,95. Vinte centavos que multiplicados durante uma semana podem
custar um saco de arroz ou de feijão.
Lembro que a partir desses
distúrbios em 1880 o governo imperial começou a perder força até cair nove anos
depois.